EM PANKARARU, NO CÉU ESTRELADO DAS CORRIDAS

EM PANKARARU, NO CÉU ESTRELADO DAS CORRIDAS
Por Renato Athias


Estes dias eu estive no país dos Pankararu, que fica localizado no sertão do submédio Rio São Francisco do lado pernambucano. É lindo ver as terras Pankararu depois das trovoadas de janeiro. "Tá vendo! Tudo verdinho" como me disse tia Lia, uma mulher Pankararu de tradição, moradora do Brejo dos Padres. "O Brejo está lindo". Eu concordei com ela, pois o verde da natureza muda todas as paisagens, as geográficas, e, sobretudo as paisagens emocionais. Eu fiquei impressionado com essa paisagem, descendo a serra do Barrocão indo pra Serrinha. Realmente, que lindo, tudo verde. E, poder ver de longe o lago de Itaparica com uma paisagem de diferentes tonalidades de verde.

Foi o último final de semana das Corridas do Umbu. Na tradição dos Pankararu é nesse final semana que acontece o fechamento do ano e o início de outro. Dona Liquinha, neta do famoso pajé Serafim, e, esposa do meu professor e amigo João de Páscoa, de abençoada memória, disse-me que é o tempo de começar a pensar nas plantações do ano. Ela estava muito alegre pois os anos passados tinham sido anos de seca e ainda podia ver seu contentamento, pois seu filho Paulo está tomando conta das plantações de seu finado marido. Nesse último dia do ano nossa conversa, olhando as estrelas do céu, ela me diz. "Quando a gente olha essa posição do "Cruzeiro do sul" assim mais em baixo no céu é por que os umbus já estão no chão." Estrelas, tempo e plantações foram os temas de nossas conversas olhando o lindíssimo céu estrelado dos Pankararu no tempo das corridas.

Carlos Estevão de Oliveira estudioso desse povo registrou em fotografias esse tempo das corridas em 1937. São lindas as fotografias cujos os originais estão no Museu do Estado de Pernambuco e as cópias com Sarapó Vasco importante liderança e responsável pelos projetos desenvolvidos pela Casa de Memória do Tronco Velho Pankararu.

É maravilhoso este último dia das Corridas e poder participar do fechamento com todos os Encantados. Encontramos todos os Pankararu que conhecemos, vendo os Praiás dançando no terreiro sob o olhar atento de seus zeladores e com os seus cantadores pronunciando os centenários e belos toantes que nos colocam na presença dos encantados, cada um com seus nomes e sua música. É sim, uma alegria nesse dia encontrar e cumprimentar os velhos amigos e lamentar a ausência de outros, que estão vivendo no outro mundo bem pertinho da gente. Nesses dias me vinha à memória Dona Creusa, filha do finado João Tomás, uma forte liderança, lembrado como um grande detentor de saber entre os Pankararu, que eu tive a felicidade de conversar quando ele morava no Macaco.

É uma forte tradição todos se juntarem na Serrinha no terreiro principal, para celebrar a festa da união, como dizia o grande cacique João Binga, conhecido por todos como o grande lutador para a demarcação de todas as terras indígenas Pankararu. É nesse dia especial que chamamos o dia do Mestre Guia, pois é o único dia que podemos ver este encantado, e de estar na sua presença, embaixo do lindo céu estrelado. escutando os lindíssimos toantes pronunciados por cantadores especialistas dessa antiga harmonia. Cada som das pisadas descalças, dos singulares passos dos Praiás, no chão do terreiro lembra-nos elementos da construção da tradição que guarda a identidade dos Pankararu. Feliz ano que se inicia.
Brejo dos Padres, fevereiro de 2019




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